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por Equipe do Observatório

Analfabetismo funcional impacta na renda dos trabalhadores e em sua inclusão social

Três em cada dez brasileiros com idade entre 15 e 64 anos não sabem ler e escrever ou sabem muito pouco a ponto de não conseguir compreender pequenas frases ou identificar números de telefones ou preços: estes são os analfabetos funcionais. Esse grupo corresponde a 29% da população, o mesmo percentual de 2018. Os dados são do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado no início de maio.

Quanto ao mercado de trabalho, em relação a 2018, cresceu de 56% para 65% a proporção dos indivíduos que tinham trabalho quando foram entrevistados e caiu de 22% para 15% a proporção dos desempregados ou que estavam à procura do primeiro emprego, número igual ao do patamar de 2015. A pesquisa é feita por amostragem e foram entrevistadas 2480 pessoas de todo o país.

Os resultados alertam sobre o impacto dos baixos níveis de alfabetismo da força de trabalho no Brasil: 27% dos trabalhadores são analfabetos funcionais, 34% atingem apenas o nível elementar de alfabetismo e uma proporção equivalente a 40% têm níveis consolidados de alfabetismo. Quanto à renda, embora a maioria dos entrevistados estivesse empregada, quanto maior o rendimento, menor o índice de analfabetismo. Entre os analfabetos funcionais, 49% tinha renda de até um salário-mínimo enquanto 11% tinham renda superior a cinco salários-mínimos.

“políticas de saúde, políticas sociais de assistência, de acompanhamento e a necessidade, principalmente das camadas mais populares, são fundamentais. Sem uma ponte como essa rede de apoio, inviabiliza o retorno dos trabalhadores para a escola”

A professora Margarida Machado, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE/UFG), com base na pesquisa, aponta que o analfabetismo funcional não impede a inserção das pessoas no mercado de trabalho, mas limita sua inclusão social e o seu acesso à informação. “Isso com certeza faz falta. Agora, a gente tem que lembrar que essas pessoas chegam à vida adulta com outros conhecimentos. A falta que faz é de fato lidar com o mundo que é letrado, com os desafios do letramento, que hoje não é só o letramento em termos de acesso à escrita, à leitura, mas é também o letramento digital. Então, todas essas necessidades que a sociedade coloca para um cidadão hoje, a pessoa que não tem o domínio, ela vai ter dificuldades de se sair [bem]”.

Machado lembra que a educação é um desafio histórico brasileiro: 68 milhões de trabalhadores adultos não concluíram os estudos. Sem políticas públicas transversais, argumenta, o problema persistirá: “políticas de saúde, políticas sociais de assistência, de acompanhamento e a necessidade, principalmente das camadas mais populares, são fundamentais. Sem uma ponte como essa rede de apoio, inviabiliza o retorno dos trabalhadores para a escola”.

Para além do letramento convencional, a educadora argumenta que a inclusão digital também é importante e deve ser pensada em políticas públicas transversais: “é fundamental, por exemplo, que as ações do Ministério da Educação dialoguem com o Ministério do Trabalho e com o Ministério da Ciência e Tecnologia, porque hoje cada vez mais a gente está vendo a população não só jovem como também adulta, trabalhadora, mas todos nós, submetidos a muitos desafios em relação à tecnologia, e para isso tem que ter conhecimento. São instrumentos cada vez mais informatizados, para os quais não basta por o celular na mão: o trabalhador tem que lidar com ele e ao mesmo tempo saber o que está fazendo. Não se trata de uma ação operacional pura e simplesmente”.

Resgate da cidadania
Para contornar esta realidade, o Governo de Goiás criou em 2019 o programa Alfabetização e Família, voltado especificamente para o letramento e inclusão social de jovens e adultos. O programa tem como objetivo atender 10 mil pessoas até o final de 2026. Entre 2019 e 2024, foram formados cerca de 6.711 alunos, segundo dados da Secretaria de Educação do Estado de Goiás (Seduc). A concepção do programa foi fundamentada em dados do Índice Multidimensional de Carência Familiar (IMCF/2019), que identificaram os municípios com maior vulnerabilidade educacional. Segundo o Instituto Mauro Borges (IMB), aproximadamente 393 mil jovens e adultos no estado apresentavam defasagem nas habilidades básicas de leitura e escrita.

Os resultados do programa são expressivos segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2023: a taxa de analfabetismo entre jovens e adultos em Goiás caiu de 5,9% em 2016 para 4% em 2023, representando uma redução de 32,2%. “Você devolve a essas pessoas seus direitos: de escrever o próprio nome, de ir ao banco, de resolver sua vida. Isso resgata a cidadania das pessoas”, explica Istela Regina, responsável pelo setor de Educação para Jovens e Adultos da Seduc.